Se todos têm direito à defesa, logo todos têm direito a um advogado. A depender do tamanho da conta bancária do cliente, é possível ter os melhores à disposição. Uma pesquisa realizada com os os mais tradicionais escritórios brasileiros* para saber quem são os advogados mais renomados, reconhecidos e poderosos do país, em seis áreas do direito.
(*Os escritórios consultados foram Trench, Rossi e Watanabe; Demarest; Pinheiro Neto; Machado, Meyer, Sendacz e Opice; Levy & Salomão; Leite, Tosto e Barros; Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra; Martinelli; e Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro e Scaff.)
Pierpaolo Cruz Bottini
Penal
Desde o fim de 2012, o jovem advogado Bottini pode exibir em seu currículo o feito de ter conseguido a absolvição de seu cliente, o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP), no ruidoso processo do mensalão. Com um detalhe: foi o único dos poucos réus que escaparam da condenação com o voto favorável do implacável relator da ação e presidente do Supremo, Joaquim Barbosa. Para Pierpaolo, o mensalão pode ser considerado um divisor de águas em sua carreira de criminalista. “Teve gente que assistiu à minha sustentação pela TV Justiça e me ligou para me contratar”, conta. O trabalho foi árduo. Na véspera do início do julgamento, o advogado costumava colocar o filho, de apenas 6 meses, sentado no sofá para treinar o que diria aos 11 ministros no plenário do tribunal – a ponto de muitos acreditarem que a primeira palavra do menino seria “mensalão”. Apesar do êxito de sua atuação, a carreira do criminalista de 37 anos é recente. Começou logo após sua saída do Ministério da Justiça, junto com seu mentor, Márcio Thomaz Bastos. Pelas mãos do então ministro da Justiça foi levado a integrar a equipe do primeiro mandato do governo Lula. De tão jovem, o time montado pelo ex-ministro foi apelidado de “berçário de Thomaz Bastos” na Esplanada dos Ministérios.
Francisco Müssnich
Operações financeiras
Os últimos meses na vida de Müssnich foram de muito trabalho. Seu escritório foi escolhido pelo Comitê Organizador Local da Copa, o que o colocou à frente de todas as questões jurídicas do segundo maior evento esportivo do mundo. Qualquer contrato do COL – até a compra de material de escritório – passou pelo escritório. Antes da Copa, ele já havia atuado para a CBF e seu ex-presidente, Ricardo Teixeira. Aos 59 anos, é conhecido por ser um solucionador de problemas e por ter participado de alguns dos mais ruidosos negócios ocorridos no Brasil. Um deles foi com André Esteves, o banqueiro que em 2006 vendeu o Banco Pactual para o suíço UBS por US$ 3,1 bilhões e três anos depois o recomprou por US$ 2,5 bilhões. “Não adianta ser competente, tem que ter estrela, como o Esteves”, diz. Ele também atuou na venda da Brasil Telecom, em 2008. Durante cinco dias, chegou a tomar banho no escritório do cliente e foi para casa só duas vezes. “Me considero um workaholic, mas tento fazer disso uma coisa prazerosa.”
Arnoldo Wald
Cível
Todo mundo conhece alguém que tenta recuperar parte dos rendimentos da poupança perdida durante os planos econômicos das décadas de 80 e 90 na Justiça. Afinal, são 400 mil processos em todo o país e uma conta de R$ 150 bilhões a ser paga pelos bancos, caso os poupadores saiam vitoriosos. O que poucos sabem é que, na outra ponta da maior disputa judicial em andamento no país, está Arnoldo Wald. O advogado, de 81 anos, defende a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) na ação que corre no Supremo e que dará a palavra final sobre a validade da correção das cadernetas, feita por um índice abaixo da inflação. A correção da poupança é certamente o maior caso em que Wald atua, mas ações bilionárias não são exatamente uma novidade para ele. Apenas um de seus clientes – a Varig – pleiteia no Supremo uma indenização de R$ 6 bilhões da União pelos prejuízos causados pelo congelamento de preços das passagens aéreas durante os anos 80 e 90.
Jairo Saddi
Contratos comerciais
Foi na década de 90, em meio à crise que levou vários bancos à falência, que Saddi recebeu o telefonema de um banqueiro perguntando se estava indo almoçar. Já no restaurante, o cliente disse que não havia jantado no dia anterior e não tinha dinheiro para o almoço. “Todos os seus bens estavam bloqueados pela Justiça.” Saddi pagou a conta do hoje ex-banqueiro, um dos muitos com quem conviveu na carreira. Pelas mãos do advogado já passaram 40 liquidações de bancos, a maior delas envolvendo R$ 2,7 bilhões. Somente no caso do falido Banco Santos, Saddi representa clientes com R$ 1 bilhão a receber. Especialista em direito bancário, autor de nove livros e presidente do conselho da escola Insper Direito, ele já atuou para todos os grandes bancos do país. Daí porque coleciona histórias curiosas como a do almoço pago ao banqueiro falido. Ou quando foi padrinho do casamento do maior credor de um banco com a filha do ex-banqueiro devedor. O relacionamento começou no auge do litígio e ainda resultou em um acordo entre credor e devedor.
Édis Milaré
Meio ambiente
Até agora a Justiça contabiliza 23 ações civis públicas abertas contra a construção de Belo Monte, a terceira maior usina hidrelétrica do mundo. Em todas elas, o consórcio Norte Energia, responsável pela obra, conta com a experiência de Édis Milaré na defesa do projeto. Aos 70 anos, ele é um dos mais reconhecidos advogados da área de meio ambiente do Brasil – além de Belo Monte, atua para Vale, Suzano e Camargo Corrêa. Mas nem sempre foi assim. Milaré passou boa parte de sua carreira do outro lado do balcão, como promotor do Ministério Público de São Paulo. Lá, foi o responsável pela proposição da primeira ação civil pública destinada a ressarcir, aos cofres públicos, os prejuízos causados por danos ambientais provocados por empresas, ainda em 1983. A ação, aberta contra uma empresa que asfaltava a recém-construída estrada Rio-Santos e, na explosão de uma pedreira, acabou atingindo um duto da Petrobras, espalhando óleo pelos cursos d’água e manguezais da região de Bertioga, não deu em nada. Mas inaugurou uma nova era para o Ministério Público de todo o país, que passou a atuar também na defesa do meio ambiente. Em 1995, Milaré deixou o MP e passou a advogar. “Estou em outra posição, mas sem trair meus princípios”, diz o advogado, que garante não serem poucos os trabalhos que recusou em sua carreira. “A primeira pergunta que faço é: você está disposto a resolver o problema?”
Marcelo Ferro
Cível
Entre seus clientes estão nada menos do que cinco das maiores construtoras do país: Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez e Odebrecht. No caso da Odebrecht, Ferro advoga para várias empresas do grupo e frequenta a casa da família baiana – embora isso se deva mais a uma relação de parentesco (seu irmão é casado com uma irmã de Emílio Odebrecht). Não é o caso da amizade com Abílio Diniz, ex-dono do Grupo Pão de Açúcar e presidente do Conselho de Administração da Brasil Foods. Foi Ferro quem defendeu Diniz na disputa com Arthur Sendas, então dono do Grupo Sendas, que se associou ao Pão de Açúcar em 2003. Os dois ícones do varejo brasileiro se engalfinharam numa disputa societária em 2007 que culminou na venda do Sendas ao grupo paulista em 2011. Na época, Diniz achou Ferro jovem demais (hoje tem 50 anos). Depois do litígio, nunca mais largou o advogado, acionado em todas as disputas que patrocina. Entre elas, o litígio com a ex-dona do Ponto Frio, Lily Safra. “Em matéria de briga, sou advogado do Abílio.”
Antonio Carlos de Almeida Castro
Penal
Ele tem fama de petista pela proximidade com o ex-todo-poderoso José Dirceu. Mas, aos 56 anos, sua contabilidade acusa a defesa de 17 ministros do governo FHC e de apenas 8 de Lula. Conhecido como Kakay, é o criminalista mais requisitado de Brasília, onde o que não falta é serviço. José Sarney e a filha Roseana, Demóstenes Torres, Marconi Perillo e Antônio Carlos Magalhães são apenas alguns dos que deixaram sua defesa nas mãos dele. Ao custo, claro, de honorários milionários que garantem o caríssimo estilo de vida do advogado, dono de uma mansão à beira do Lago Paranoá, em Brasília, cuja porta de entrada é guardada por um rinoceronte esculpido em bronze e que abriga uma adega de dois andares e 4 mil rótulos. De Paris, onde passa parte de suas férias, Kakay conta que sempre quis “viver do crime”, mas aceita advogar em outras áreas do direito se o caso é interessante. Talvez essa abertura tenha motivado um empresário paulista a procurá-lo para fazer sua defesa no processo de divórcio que travava com a ex-mulher, magoada pela descoberta de uma amante. A ex contratou Priscila Fonseca, renomada advogada de família conhecida por limpar o cofre de ex-maridos. E o empresário implorou para que Kakay o defendesse. Diante da recusa, ofereceu 20% dos R$ 3 bilhões que mantinha no exterior em caso de vitória. Mais uma resposta negativa e o empresário, desesperado com o risco de perder metade de sua fortuna, apelou: “Se você não me defender vou matá-la”. “Bem, aí é minha área”, respondeu, em tom de brincadeira. Ele não pegou o caso, mas nenhum crime aconteceu.
Sérgio Bermudes
Cível
Qual é o pior cliente que um advogado pode ter? Hoje, certamente, um deles é Eike Batista, que sonhava ser a pessoa mais rica do mundo em 2015 e, no ano passado, perdeu US$ 28,8 bilhões, tornando-se um devedor. Pois Bermudes, de 68 anos, é quem tem a árdua tarefa de auxiliar o empresário a equacionar suas dívidas e sair do buraco. O advogado é o responsável pelo pedido de recuperação judicial da OGX, empresa de petróleo de Eike Batista que em 2008 fez uma das maiores ofertas de ações da história da bolsa de valores brasileira, captando R$ 6,7 milhões, e que, em outubro do ano passado, informou ao mercado que não pagaria suas dívidas. Com isso, no entanto, o advogado não se preocupa. Ele conta que já foi pago com rapadura pela mãe de um rapaz que não tinha dinheiro para bancar a defesa e com sonhos recheados de camarão, feitos por uma cliente desalojada de sua casa. Mas diz que, de cliente abastado, nunca levou calote. “Os ricos sempre me pagaram, graças a Deus!”
José Roberto Opice
Operações financeiras
Se hoje a Ambev é a empresa brasileira com maior valor de mercado, superando os US$ 110 bilhões, parte desse sucesso deve-se a Opice, sócio do Machado Meyer, Sendacz e Opice Advogados, um dos maiores escritórios do país. Foi ele quem orquestrou, em 2004, a fusão da companhia com a belga Interbrew, que culminou na criação da maior fabricante de bebidas do mundo. Nada na operação foi fácil, conta o advogado responsável pela primeira união de uma gigante brasileira com uma estrangeira. O grau de dificuldade de uma operação desse porte é enorme, mas não chega a ser novidade para Opice. Ele foi um dos principais advogados do consórcio de empresas contratado pelo governo em 1997 para moldar a venda da Vale. Isso em um momento em que privatização era palavrão e gerava enorme polêmica. “Foi muito dramático”, diz. A dedicação fora do comum e o intenso ritmo de trabalho era costume. No mesmo ano, participou da venda do Bamerindus ao HSBC. “Criamos um banco em 24 horas”, conta. A última grande operação em que atuou – a venda do Grupo Ipiranga por R$ 4 bilhões – rendeu-lhe um problema na coluna. Aos 68 anos, Opice tem hoje uma rotina mais leve e já prepara sua aposentadoria, que deve ocorrer em dois anos. “O advogado de negócios tem um limite de idade.”
Paulo Valois
Infraestrutura
Quando se preparava para escolher a profissão que seguiria, Valois ficou entre o direito e a diplomacia. Optou pela primeira carreira, mas não se esquivou da segunda. Aos 48 anos, passa metade de seu tempo viajando e apresentando o Brasil a investidores estrangeiros. Não como embaixador, mas um dos advogados do país que mais entende de petróleo e gás, setor que deve atrair R$ 458 bilhões em investimentos até 2018. A especialização de Valois ocorreu por acaso – seu primeiro estágio foi na Interbras, trading de petróleo da Petrobras. Depois passou pela Shell e estudou na França e nos Estados Unidos. Em 1997, quando a Lei do Petróleo expandiu a atuação de empresas privadas, abriu o primeiro escritório dedicado à área de recursos naturais do mercado brasileiro. Hoje é sócio do L.O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira, Agel Advogados e tem, em seu currículo, a vitória pelo livre acesso ao gasoduto Bolívia-Brasil travada entre suas clientes BG e Enron e Petrobras.
Nelson Eizirik
Contratos comerciais
Menos de uma semana antes do anúncio da fusão entre o Itaú e o Unibanco, em 3 de novembro de 2008, um pequeno grupo de advogados foi chamado para redigir e revisar os contratos que criariam o maior banco do Hemisfério Sul. Entre eles estava Nelson Eizirik, hoje com 64 anos, um dos maiores especialistas brasileiros em sociedades anônimas, posição que disputa com seu sócio, Modesto Carvalhosa, ambos titulares da banca Carvalhosa e Eizirik Advogados. Ele conta que a fusão foi feita em apenas um fim de semana. Nesse período, ficou à disposição das famílias Moreira Salles e Setubal para finalizar o negócio, engendrado em completo sigilo ao longo de meses, sempre em reuniões na mansão de um dos executivos do Itaú, que ganhou o codinome de “hotel” para evitar o vazamento da operação. Autor de 20 livros e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários, Eizirik, acostumado a lidar com as mais complexas questões societárias, diz que a união dos dois concorrentes foi tranquila. “Foi tão pacífico que não tinha quase nada para fazer.”
José Luís de Oliveira Lima
Penal
Aos 47 anos, Oliveira Lima tornou-se um dos criminalistas mais requisitados do país durante o mensalão. É de Juca, como é chamado, a defesa do réu mais importante do processo: José Dirceu. O ex-chefe da Casa Civil de Lula chegou a ele por indicação de seu tio, o criminalista José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça de FHC. Em 2006, quando o Ministério Público ofereceu denúncia à Justiça acusando um esquema de compra de votos no Congresso, Dirceu procurou Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, para se aconselhar. Diante do viés político do caso, Kakay recomendou contratar um advogado próximo aos tucanos – e indicou José Carlos Dias. Já comprometido com a defesa do Banco Rural no processo, o tio indicou Juca. Foi um salto em sua carreira, mas também sua maior derrota. “É inegável que foi uma derrota, e sofro com ela”, admite. Hoje amigo de Dirceu, Juca o visita na prisão pelo menos uma vez por semana e diz que o momento mais difícil foi ter que entregá-lo na cadeia. “Nunca tinha passado por isso.”
Carlos Ari Sundfeld
Infraestrutura
Qualquer brasileiro com mais de 35 anos se lembra da patética situação de ter que entrar numa fila para comprar uma linha telefônica e aguardar anos até ser contemplado. Se hoje bastam apenas alguns dias para viabilizar isso, boa parte do mérito é de Sundfeld. O advogado é o autor da Lei Geral de Telecomunicações, em vigor desde 1997, que permitiu a privatização da Telebras, a abertura do mercado e a criação da primeira agência reguladora do país, a Anatel. A missão de reformular a lei foi dada pelo já falecido Sérgio Motta, o ministro das Comunicações de FHC, com um pedido especial para que dispensasse a Anatel de fazer licitações, o que contrariaria a Constituição. A resposta do jurista foi a criação do pregão, mecanismo inédito que, de tão eficiente, foi estendido a todo o governo pouco tempo depois. Aos 53 anos e do alto de sua sabedoria sobre o setor de telecomunicações, Sundfeld parece não usufruir de sua criação: “Não tenho celular e nem sei de cor o telefone de casa”.
Arnaldo Malheiros Filho
Penal
Se existisse um top of mind para classificar os criminalistas mais lembrados, Malheiros Filho estaria, sem dúvida, no topo da lista. Considerado um dos melhores do país, o advogado já defendeu Paulo Maluf, Orestes Quércia e Fernando Henrique Cardoso, além do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, para quem advoga no processo do mensalão. Como advogar para personagens tão diversos e controversos? “Tendo uma atitude profissional e nenhum envolvimento com a política”, diz ele. Apesar da quantidade de políticos no portfólio de clientes, é no meio empresarial e financeiro que o advogado se sobressai. Defendeu a já falecida Eliana Tranchesi, a ex-dona da butique de luxo Daslu, presa em 2005 por sonegação fiscal na ruidosa Operação Narciso, realizada pela Polícia Federal, e o banqueiro Edemar Cid Ferreira, o ex-dono do falido Banco Santos. Hoje Malheiros tem seu ganha-pão defendendo clientes abastados, mas nem sempre foi assim. Ele conta que certa vez recebeu indicação por um juiz para defender um réu que, abordado por quatro policiais, atirou em todos e acabou preso com 30 quilos de maconha. Ao visitá-lo no Carandiru, o cliente disse que na verdade tinha 60 quilos da droga, e que a outra metade, escondida, seria do advogado se ele o tirasse da prisão. Malheiros acabou saindo do caso.